QUILOMBOS NO BRASIL
- Mariana Castro Teixeira
- 28 de mar. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 28 de jan. de 2021
Introdução
Quando se fala em escravidão no Brasil, existe um imaginário sobre quem eram essas pessoas. A maioria dos manuais didáticos tende a associar o africano ao escravo, como se essa condição lhe fosse essencial. A maneira como o período escravocrata é ensinado nas escolas naturaliza o negro dentro de um estereótipo de dor, sofrimento e passividade, destituindo-lhes de humanidade e ignorando as formas de resistência à escravidão. O número de africanos escravizados ao longo dos séculos XVI e XIX é enorme. Estima-se que passaram pela travessia atlântica entre 10 a 15 milhões de pessoas, sendo que por volta da metade vieram exclusivamente para o Brasil.
Tradicionalmente, o tema da escravidão é estudado de uma forma que contribui para a perpetuação da visão eurocêntrica da História. Por isso, é preciso problematizar alguns estereótipos ensinados até hoje, como exemplo, dizer que os negros foram escravizados pois eram mais adaptados ao trabalho escravo. Na verdade, desde o primeiro africano trazido para a América como escravo, sempre houve resistência – seja ela na forma de suicídios, abortos, organizações religiosas, desenvolvimento de lutas, enfrentamento aos senhores, assassinatos, quilombos e outras.
Quilombos
Talvez a forma mais evidenciada de resistência à escravidão tenha sido a formação de quilombos, tendo sido o quilombo dos Palmares o exemplo histórico mais expressivo. Quilombo pode ser caracterizado “como uma experiência coletiva dos africanos e seus descendentes, uma estratégia de reação à escravidão, (...) uma reunião fraterna e livre, com laços de solidariedade e convivência resultante do esforço dos negros escravizados de resgatar sua liberdade e dignidade por meio da fuga do cativeiro e da organização de uma sociedade livre” (MUNANGA e GOMES, 2004, p. 72).
Os quilombos variavam muito de tamanho – desde acampamentos de alguns fugitivos às comunidades com milhares de habitantes. O maior de todos foi o quilombo de Palmares como falaremos daqui a pouco. Alguns quilombos eram localizados em regiões de difícil acesso enquanto outros estavam em lugares mais próximos das vilas e cidades.
Os quilombos costumavam viver de saques às cidades, às fazendas ou engenhos. Havia uma relação intensa com a sociedade colonial baseada, principalmente, nos saques. No entanto, também havia o cultivo da terra, artesanato e outras práticas econômicas.
Uma das questões importantes que os historiadores discutem é sobre a relação dos quilombos com a África. É preciso atenção quanto ao perigo da idealização dessa busca “pura” pela África, mas é inegável sua presença na construção dos quilombos. Por isso, torna-se imperativo o estudo das sociedades africanas.
A palavra kilombo é originária da língua banto umbundo, falada pelo povo ovimbundo, que se refere a um tipo de instituição sociopolítica militar conhecida na África Central, mais especificamente na área formada pela atual República Democrática do Congo (antigo Zaire) e Angola. Apesar de ser um termo umbundo, constitui-se em um agrupamento militar composto pelos jaga ou imbangala (de Angola) e os lunda (do Zaire) no século XVII.
Segundo alguns antropólogos, na África, a palavra quilombo refere-se a uma associação de homens, aberta a todos. Os membros dessa associação eram submetidos a rituais de iniciação que os integravam como co-guerreiros num regimento de super-homens invulneráveis às armas inimigas.
Existem muitas semelhanças entre o quilombo africano e o brasileiro, formados mais ou menos na mesma época. Sendo assim, os quilombos brasileiros podem ser considerados como uma inspiração africana, reconstruída pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de uma outra forma de vida, de uma outra estrutura política na qual se encontravam todos os tipos de oprimidos (MUNANGA e GOMES, 2004, p. 71).
Leia o artigo do Kabengele Munanga A origem e histórico do quilombo na África.
Quilombo dos Palmares
A reconstrução da história de Palmares especificamente é complexa, pois as fontes utilizadas para a produção desse conhecimento foram as fontes escritas produzidas pelas próprias autoridades coloniais. Isso pode ser um problema na medida em que reforça a visão dos colonizadores sobre o episódio. No entanto, hoje, os historiadores consideram os estudos da história oral e da arqueologia como fontes para a produção do conhecimento histórico sobre Palmares.
Palmares não foi um único quilombo, na verdade, ele era um aglomerado composto por 12 ou mais quilombos, chegando a abrigar 30 mil pessoas, dentre elas negros, escravizados fugidos, brancos pobres e indígenas. Localizado em Alagoas (limite com Pernambuco) no alto da Serra da Barriga, ele chegou a durar um século – um longo período permeado por tempos de paz e de guerra.
Acredita-se que no ano de 1595 um grupo de quarenta escravizados fugiram de um engenho ao sul de Pernambuco e que, a partir daí teriam dado início ao maior quilombo brasileiro.
Acotirene é o nome de uma mulher que teria importância política e militar na história de Palmares, assim como Ganga Zumba, Zumbi e Dandara.
Em meados do século XVII, Palmares tinha alcançado o seu auge. O quilombo resistiu a 27 tentativas de invasão holandesa e portuguesa. No entanto, a partir da expulsão dos holandeses, em 1654, do aumento da produção de açúcar e do tráfico de escravo, os portugueses investiram sua atenção nesse local.
Nessa época, por volta de 1670, Zumbi já estava em Palmares – mas era um garoto – e Ganga Zumba era o líder. Houve tentativas de acordos de paz com as autoridades coloniais – Ganga Zumba defendia essas negociações – mas Zumbi não concordava com esses acordos, pois sabia que dessa maneira não poderiam estabelecer uma sociedade realmente livre.
As visões diferentes acabaram por dividir o povo de Palmares e uma parte ficou com Zumbi e a outra parte seguiu com Ganga Zumba para Cucaú, como parte do acordo de paz com as autoridades coloniais.
Por fim, Ganga Zumba foi traído e morto. Dez anos após sua morte, Zumbi chefe do quilombo, encarou inúmeras ofensivas das tropas portuguesas (lideradas por um bandeirante chamado Domingos Jorge Velho) até que em 20 de novembro de 1695 Zumbi morreu em combate.
Assista ao filme produzido em 1984 e dirigido por Carlos Diegues, Quilombo
Aquilombamento
“A sociedade e a economia do quilombo de Palmares representavam uma ameaça ao governo colonial, afinal, nesse local a terra e o resultado do trabalho coletivo pertenciam a todos e não a alguns ricos senhores de engenho. Além disso, no seu interior vivia-se e respirava-se liberdade, o que era inaceitável para a sociedade escravista da época” (MUNANGA e GOMES, 2004, p. 78).
Após a morte de Zumbi, as autoridades coloniais passaram a repreender com mais veemência qualquer grupo suspeito formado por negros. Mas mesmo assim, inúmeros quilombos subsistiram no Brasil até o final da escravidão. E mesmo hoje, o fenômeno do aquilombamento é realizado.
O intelectual Abdias do Nascimento utiliza um termo quilombismo e ele se refere às inúmeras formas de resistência até hoje necessárias para que o negro se torne realmente livre. Ele menciona lutas pela necessidade da sociedade em incorporar os valores éticos e morais africanos, de valorização de sua ciência, história e cultura. Ele é um importante ícone do movimento negro brasileiro.

Abdias do Nascimento
Veja o documentário sobre Abdias do Nascimento
O movimento de aquilombamento é tão importante na luta antirracista que, em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pressionado pelo movimento negro, decreta o 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. Data de comemoração e reflexão sobre a luta e resistência negra no Brasil.
Conclusão
Hoje, os quilombos ou remanescentes quilombolas, são territórios onde grande parte da história do Brasil está guardada. Através das culturas, das práticas, da sabedoria, das histórias passadas de geração para geração, as comunidades quilombolas são repositórios da nossa ancestralidade. Por isso, a importância atual da delimitação de terras quilombolas e o respectivo cuidado para que essas comunidades permaneçam vinculadas àquele espaço reproduzindo e produzindo conhecimento.
Uma discussão contemporânea sobre o assunto dos quilombos é o uso do termo quilombo, ou remanescente quilombola.
Na Constituição Brasileira de 1988 está escrito:
Art. 216 – Inciso V, §5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
Disposições Transitórias – Art 68. Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos específicos.
Alguns autores apontam para o cuidado da delimitação do termo quilombo ou remanescentes quilombolas, pois a má interpretação da Lei para desfavorecer as políticas públicas de demarcação de terra. E hoje, nós precisamos cada vez mais nos mobilizar e prestar atenção em como os governantes tratam essas populações! Resistir é preciso.
Para saber mais: Quilombos no século XXI
Referência bibliográfica
MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. Para entender o negro no Brasil de hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global: Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação, 2004 (Coleção Viver, Aprender).
NASCIMENTO, Elisa Larkin (org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009 (Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, v. 4).
REIS, José João; GOMES, Flávio dos Santos (Org). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Pulo: Claro Enigma, 2012.
ARRUTI, José Maurício. Mocambo: antropologia e história do processo de formação quilombola. São Paulo: Edusc, 2006.
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