top of page

Aulas Coleção Candace

Já falamos sobre a visão eurocêntrica da história e como ela vem sendo ensinada quando se trata do período da escravidão no Brasil. Por isso, disse a vocês sobre a importância do conhecimento histórico dos quilombos e as várias formas de resistência dos africanos e afrodescendentes escravizados no país. A maneira como a história dos negros é contada nos manuais didáticos e nos currículos escolares brasileiros incorpora uma visão histórica que invisibiliza e inferioriza o conhecimento e a cultura dos povos colonizados.

Essa é uma questão crucial quando pensamos na história e no seu ensino. Porque ter o direito à história é ter o poder de caracterizar os povos e, no caso da Europa, hierarquizá-los e depois justificar a sua dominação através de sua suposta inferioridade. Foi o que a história eurocêntrica fez com os povos africanos e indígenas ao determinar que os povos sem escrita (ágrafos) não poderiam ter história.

Desse modo, a história do Brasil sempre foi contada pelo olhar do colonizador. E isso é um problema muito grande, pois embora hoje já exista uma série de historiadores que combatam essa visão eurocêntrica da história, o ensino de história ainda a carrega. Para entender um pouco mais sobre esse assunto eu indico um vídeo incrível de uma escritora nigeriana, Chimamanda Adichie: O perigo de uma história única. Assistam!

 

Tendo tudo isso em mente, vamos pensar sobre a história do Brasil. Por que será que quando começamos a estudar história do Brasil é sempre pela colonização, ou seja, pela chegada dos portugueses em 1500 ao território que hoje chamamos de Brasil? E se, como sugere Chimamanda Adichie, começássemos a história pelas flechas dos índios ao invés das caravelas dos europeus? Será que a história teria sido contada da mesma forma? Então, hoje, nós vamos começar a entender a história do Brasil a partir um aspecto mais amplo, a partir de uma nova perspectiva.

O território onde hoje está o Brasil fica na parte sul do continente americano. Esse espaço terrestre já possuía ocupação humana há muito tempo antes dos portugueses chegarem aqui e iniciarem a colonização. A data aproximada do início da ocupação humana no continente americano ainda é muito debatida entre os estudiosos. Não existe consenso sobre qual foi a rota de entrada ou quando chegaram os primeiros seres humanos, e nem sobre a origem dessas pessoas.

A teoria mais aceita hoje é que o território brasileiro foi ocupado por volta de uns 15 mil anos atrás. Mas essas teorias estão em debate e sempre quando um arqueólogo encontra uma nova peça do quebra-cabeça, tudo é remexido. Acreditou-se durante muito tempo que foi a partir dos Estado Unidos, vindos pelo Estreito de Bering (ligação entre Sibéria e Alasca) que os seres humanos foram ocupando por terra todo o continente até o sul. Essa teoria dizia que a cultura Clóvis, presente no EUA, teria sido a mais antiga da América. Para a tristeza dos norte-americanos, sabemos hoje que essa teoria não é viável.

 

Isso porque outras descobertas foram feitas indicando a chegada de seres humanos na América do Sul antes desse período. Nós não entraremos aqui no mérito dessas descobertas (embora seja um assunto muito legal, por isso vou deixar uns links para quem quiser aprofundar).

O fato é que outros pesquisadores acreditam que a chegada na América também pode ter acontecido por rotas marítimas, ou até mesmo por outras rotas além do Estreito de Bering. Enfim, a disputa científica é enorme e cada dia que um novo vestígio é descoberto, uma novidade é lançada nas grandes revistas científicas, como a Nature e a Science.

Como já disse, não iremos entrar nesse mérito, mas a ideia é vocês perceberem que antes de 1500 temos aí alguns bons milhares de anos de presença humana no território sul americano e, mais especificamente, onde hoje é o Brasil.

E por que isso é importante para nós? Primeiro, porque se colocarmos toda a história do Brasil em perspectiva e a gente pensar na história do território brasileiro além da chegada dos portugueses, teremos muito mais do que 520 anos de história. Mesmo com todas as controvérsias sobre essa ocupação, temos aí no mínimo 10 mil anos de presença humana aqui!

Depois, a historiografia eurocêntrica do século XIX (essa mesma que até hoje influencia os nossos livros didáticos) dizia que não era possível produzir história a partir de documentos não escritos. Ora, os indígenas não tinham escrita. Só temos relatos escritos sobre essas sociedades a partir da chegada dos europeus nas américas. Ou seja, toda a história escrita sobre esses povos foi feita pelos europeus. Será então que essas populações não tinham história antes da sua chegada?

Essa era a visão desses historiadores do século XIX. No entanto, hoje, já é amplamente aceito que o conhecimento histórico pode ser produzido a partir de outras fontes, como exemplo, vestígios materiais, relatos orais, manifestações culturais, imagens e outras fontes. Falaremos um pouco sobre essas questões na próxima aula sobre as sociedades indígenas, mas quero já deixar aqui registrado que, por mais que estejamos falando de um passado muito remoto, a população que os portugueses encontraram quando chegaram no litoral brasileiro era descendente desses povos antigos.

Com isso, quero dizer que a arqueologia (ao lado da linguística e da genética) é uma disciplina central para a construção do conhecimento histórico tanto das sociedades ancestrais dos indígenas como dos próprios indígenas que tiveram contato com os portugueses.

Por isso, é necessário conhecermos alguns arqueólogos do nosso país que contribuíram com a pesquisa sobre o período pré-colonial.

Em 1990, o pesquisador Walter Neves analisou o crânio que ficou conhecido como Luzia, encontrado no sítio arqueológico de Lapa Vermelha, Lagoa Santa, MG – crânio humano de origem dos africanos e dos aborígenes da Oceania com 11.500 anos de idade. Esse estudo colocou muitas dúvidas sobre algumas teorias sobre o povoamento da América. Mas o mais importante é a sua antiguidade (um dos mais antigos da América) e o fato de que as suas feições eram diferentes da dos indígenas modernos. Isso é significativo para a construção de teorias sobre quais populações chegaram aqui, quais as suas origens e o que aconteceu com elas. São perguntas sem resposta definitiva ainda. Espera-se que os pesquisadores encontrem o chamado elo perdido para compor essa trama.

Já a arqueóloga Niède Guidon, que trabalha no sítio arqueológico da Serra da Capivara, no estado do Piauí, possui grandes pesquisas e ela defende uma teoria ousada que nem sempre é validada pela comunidade acadêmica. No entanto, seu trabalho é muito relevante. Ela ficou famosa pela descoberta de vestígios de fogueira e artefatos de pedra lascada que, segundo a pesquisadora, indicam que a ocupação do território pode ter mais de 60 mil anos. No entanto, seus críticos não aceitam essa sua teoria pois eles dizem que os artefatos podem ter sido produzidos de modo natural e não pelas mãos humanas.

O período Brasil pré-colonial (ou pré-cabralino) é muito grande. Muito maior do que o tempo desde a colonização portuguesa até os dias atuais. Entre a chegada dessas populações e a chegada dos portugueses, muitas coisas aconteceram, muitas culturas foram desenvolvidas e formas de civilização. A princípio, o estágio de adaptação de sociedades imigrantes às condições climáticas envolvia a relação com os vegetais e animais, que também eram bem diferentes de hoje em dia.

Há indícios que essas populações – caçadoras e coletoras – também desenvolveram uma espécie de domesticação dos frutos e frutas dando origem ao que hoje é conhecido como terra preta da Amazônia. A terra preta Amazônia é um reduto no meio da floresta Amazônica que possui uma terra extremamente fértil, indicando a presença humana nessa região. Mais do que isso, indicando que esse território já havia sido domesticado muito tempo antes do que se imaginava, ou seja, que havia ali alguma forma de organização.

Até pouco tempo atrás, acreditava-se que a região da Amazônia era inabitada. A terra preta indica o contrário, que a relação com a terra e a seleção daquilo que era cultivável ou não foi feita ali muito tempo antes dos europeus chegarem. Talvez não seja a forma de agricultura que estamos habituados a estudar, mas essa foi uma ação desenvolvida por esses povos ancestrais e que contribuiu para a seleção de alimentos que até hoje estão no nosso cardápio, como a mandioca, o cacau, o abacaxi e etc.

Os estudiosos procuram as evidências da relação entre esses povos com os indígenas, mas, certamente, o tempo recuado dificulta os estudos. Mesmo assim, é possível distinguir diferentes características culturais e modos de viver em determinados locais. Isso indica a presença de grupos humanos que os pesquisadores chamam de tradições, ou seja, maneiras de existir e viver pesquisadas através de vestígios arqueológicos.

Houve uma série de tradições no Brasil pré-colonial (algumas delas inclusive sobreviveram por bastante tempo depois da invasão portuguesa). Vou citar apenas duas: a tradição Sambaqui e a Marajoara e Santarém.

A primeira é bem importante para a nossa história embora ainda tenhamos pouco estudo sobre elas, e pior, poucas políticas de preservação de seus vestígios. Esses vestígios indicam que os sambaquis foram povos pescadores e coletores com datação de mais de 5 mil anos atrás. Os sambaquis são montes de conchas, esqueletos de peixes, pontas de flechas, machados, cerâmicas e materiais orgânicos que passaram por um processo de fossilização química em decorrência das chuvas e da ação do tempo. Alguns sambaquis encontrados na região sul do País atingem 30 metros de altura.

Acredita-se que eles foram dominados e extintos com a chegada dos povos tupis no litoral do Brasil. No entanto, isso também não é consenso entre os pesquisadores. É possível que eles tenham se incorporado ao povo tupi. Também não consenso sobre a função desses montes de conchas. Alguns pesquisadores acreditam que eram apenas grandes “lixões” de depósitos de restos de comida, mas outras descobertas indicam que podem ter sido parte de rituais funerários, por exemplo. A segunda opção revela um caráter ritualístico desses povos.

Outras tradições, como a Marajoara e Santarém, ocorreram no atual estado do Pará e sobreviveram até 500 anos depois da era cristã. Desenvolveram a confecção de objetos de pedra e, posteriormente, de cerâmica desde pelo menos 5 mil anos atrás. A cerâmica produzida na atual cidade de Santarém foi classificada como tradição Santarém. Por volta do ano 1000 d.C., se sobressaiu a tradição Marajoara, como revelam os vestígios da cerâmica policromada que produziram. Até hoje na Ilha do Marajó, Pará, existe a prática da arte ceramista com base na história da tradição Marajoara.

Esse foi um panorama bem simplificado sobre a história do Brasil pré-colonial. No entanto, nós temos aqui no Brasil um número altíssimo de sítios arqueológicos com vestígios impressionantes da presença humana! Saiba mais. E ajude a preservar o nosso patrimônio.

 

Referências bibliográficas:

NEVES, Eduardo Góes. Os índios antes de Cabral: arqueologia e história indígena no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da; GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (org.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.

LOPES, Reinaldo José. 1499: a pré-história do Brasil. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2017.

VICENTINO, Cláudio; VICENTINO, Bruno. Olhares da História: Brasil e mundo. São Paulo: Scipione, 2016.

Outras Aulas Coleção Candace

Arte 01.png
Arte 02.png
Arte 05.png
Arte 06.png
Arte 03.png
Arte 08.png
Saiba Mais
Arte 07.png
Arte 04.png

© 2025 por Atlântico Sul Editora - Todos os direitos reservados

bottom of page