Aulas Coleção Candace
Quando se fala em escravidão no Brasil, existe um imaginário sobre quem eram essas pessoas. A maioria dos manuais didáticos tende a associar o africano ao escravo, como se essa condição lhe fosse essencial. A maneira como o período escravocrata é ensinado nas escolas naturaliza o negro dentro de um estereótipo de dor e sofrimento, destituindo-lhes de humanidade – motivo pelo qual estariam passando por aquela situação. São vistas como populações sem nome próprio.
A quantidade de africanos escravizados ao longo dos séculos XVI e XIX é enorme. Os números variam, mas estima-se que passaram pela travessia atlântica em torno de 11 milhões de pessoas, sendo que 5,5 milhões (a metade) vieram apenas para o Brasil. A despeito da dificuldade na exatidão dessas estatísticas, já existem esforços significativos em buscar esses números e reescrever essas histórias. Visite o site Slave Voyages.
As fontes a respeito desse período da história são as fontes oficiais e elas só dão conta da história do colonizador. Muitos sequestrados, por exemplo, morriam ao longo do trajeto ou quando chegavam aos portos brasileiros. Por isso, há autores que estimam que o número de escravizados que vieram pela rota transatlântica seja maior, entre 40 e 100 milhões (MUNANGA, 2009, p. 80).
Não é à toa que o Brasil hoje é o segundo país mais negro do mundo, depois da Nigéria.
No Rio de Janeiro, no Cais do Valongo, foram encontradas ossadas dos africanos que morriam na viagem ou na chegada ao porto. Esse lugar foi transformado em um museu Instituto dos Pretos Novos (IPN) para fortalecer a memória da escravidão, do verdadeiro holocausto que houve contra a população negra, para reescrever a História. O Brasil foi o país que mais recebeu africanos na América. História essa ainda muito mal contada.
Abaixo um pequeno vídeo sobre o grande número de escravizados que fizeram a travessia entre os séculos XVI e XIX para o Rio de Janeiro:
O tema da escravidão é estudado de uma forma que contribui para a perpetuação da visão eurocêntrica da História. Por isso, é preciso problematizar alguns estereótipos ensinados até hoje. O maior deles advém da ideia de substituição da mão-de-obra indígena pela africana. Essa afirmativa, aparentemente inocente, traz consigo uma série de justificativas e efeitos perversos:
1) reforça a ideia de que não houve escravização indígena e de que o contato dos nativos com os portugueses foi pacífico; quando, na verdade, houve negociação, mas também resistência armada e conflitos sangrentos. Muitos indígenas foram mortos e a sua mão-de-obra explorada ao longo de todo o período colonial.
2) reafirma estereótipos e racismo: o índio não teria sido escravizado porque é preguiçoso, e o negro foi pois seria apto ao trabalho braçal.
É mentira dizer que os negros foram escravizados pois eram mais bem adaptados ao trabalho escravo. Essas foram justificativas construídas no século XIX para legitimar a escravização de africanos e explorar um comércio altamente lucrativo. Foram justificativas criadas pela ciência da época para desumanizar essas pessoas.
Assim como os indígenas não eram preguiçosos. Esses foram estereótipos criados pelos colonizadores visando a dominação.
No entanto, alguns fatores interferiram para que a escravização africana se sobressaísse à indígena. Os indígenas passaram por um genocídio biológico: suas populações foram mortas por doenças trazidas pelos europeus. Além disso, a sua captura não era fácil, por serem os donos do território que hoje é o Brasil. Importante lembrar que os africanos também resistiram à escravização e uma das organizações mais importantes nesse sentido foi o Quilombo dos Palmares, que abrigou parte da população indígena, inclusive. Veja a aula Quilombos no Brasil.
Mas, um fator importante que contribuiu para o aumento da busca por escravizados africanos foi a proteção dos jesuítas aos indígenas. Os jesuítas eram padres europeus que vinham para a América para evangelizar os povos nativos. A Igreja aceitava a humanidade dos indígenas, desde que se convertessem, e, mesmo assim, ainda eram tidos como povos atrasados, incivilizados e infantis. Em contrapartida, os africanos eram colocados numa hierarquia ainda mais inferior, pois não teriam nem a chance de salvação já que não possuíam alma.
É preciso dizer, porém, que a conversão compulsória a uma religião e cultura é também um tipo de agressão. Então, essa proteção deve ser questionada. Quando nos destituímos das nossas marcas culturais, nós nos enfraquecemos, ficamos mais suscetíveis ao invasor. Assim, muitas missões foram destruídas pelos bandeirantes, se aproveitando dos indígenas aculturados*. Por outro lado, àqueles indígenas que se negavam a conversão era permitida a escravização através das Guerras Justas.
E, por fim, não devemos esquecer um outro fator decisivo: a escravização atlântica passou a ser um negócio importantíssimo. Os portugueses já faziam comércio com os povos africanos desde a época do Périplo Africano e os escravos africanos tradicionais já eram comercializados nesse contato, tanto para Portugal, como para São Tomé. A partir do aumento de demanda de mão-de-obra escrava na colônia, essa atividade mercantil começou a se expandir, atravessou o Atlântico e virou um negócio altamente lucrativo, que conhecemos como a escravização atlântica.
*Esse termo é problemático pois dá a entender que é possível retirar totalmente a cultura de um indivíduo e/ou de um povo. O uso aqui está mais para explicitar a violência colonial física e simbólica de destituição de humanidade de uma civilização.
DICA: Assistam aos dois primeiros episódios da série Guerras do Brasil, da Netflix.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MUNANGA, Kabengele. Origens africanas do Brasil contemporâneo: histórias, línguas, culturas e civilizações. São Paulo: Global, 2009.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
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